Innocence - Deborah Blando
Meu mundo interior era pequeno; era composto por mim mesma e os meus filhos. Era composto por muitas tribulações nesse Tempo, na família. Uma batalha interior era percorrida. Eram raras as alegrias. Muito raras. Eu estava obtendo gotas, gotas de vigor, de alegrias. Ele era o meu conta-gotas; ele era a minha esperança em cada manhã quando eu despertava. Eu recordo da sensação, mescla de nostalgia, mescla de algo tão incrível, tão incrível no meu coração quando eu ouvia essa música no rádio, saindo da minha casa pelas manhãs e me dirigindo ao seminário, onde ficava a Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição. A música fora alimento para mim num Tempo, me dando fôlego e como as gotas do orvalho que se percebe pela manhã, na Estação que lhe é própria surgir, foi para mim, o frescor, o bálsamo, o alimento. Mesmo não sabendo inglês (não sabia quem cantava na época). Justamente por não saber inglês, por não entender o que a cantora dizia, a música transmitia para mim um mistério. Hoje temos a Internet para sabermos a tradução das letras das músicas inglesas etc.. Não no Tempo em que eu vivia a caminhada íngreme da vida. Nesse Tempo ainda não existiam celulares e laptops como as demais tecnologias. Tudo para mim chegava como um encanto e presente do meu Deus e da minha Mãe amada, do Tempo de criança e esquecida no Tempo, por mim. Esquecida ou “eles” me cegaram para eu não mais poder estar próxima a Mãe amada? Eu precisei e preciso da poesia, da boa música para viver. Nesse Tempo eu tinha uma caseira que chegava até mim trazendo um ramalhete de flores brancas nos braços e me entregava para eu colocar no vaso da sala. Eu morava num casarão simples que ficava retirada alguns quilômetros do centro da cidadezinha. As vizinhanças eram raras. Eu sentia naquele gesto da boa velhinha como se fosse uma estrelinha iluminada surgir na aridez de amor da qual eu vivia. A velhinha caseira, franzina, magra, conseguia pegar aquelas flores branca que cresciam em pendões altos nas valas perto aos córregos que existiam na beira das estradas. Aquele pequeno gesto me fazia feliz e agradecida. Surpresa eu não percebia que naquele lugar pudesse existir cachopas de flores brancas tão lindas; mais ainda, eu descobria que a velhinha percebia a beleza das flores de tal forma que desejava a aproximação delas, na sua e na minha casa.
A música que tocava no rádio do carro, a qual nem o nome eu sabia qual era, enquanto eu me dirigia para a Faculdade de Filosofia foi uma das músicas que me conduzia até os braços dele. Alguns poucos quilômetros viajados e desejando encontrar os abraços de quase todas as manhãs; os abraços sinceros e calorosos que eu esperava feito criança. Os abraços, a atenção, o amor despretensioso me resgatou da tempestade existencial fazendo a minha alma voar leve de tal maneira que eu não senti o Tempo passar.